São Paulo no Século 17
No século 17, a Capitania de São Vicente abrigava caçadores de índios, para escravizar, e exploradores em busca de pedras e metais preciosos. Distante da metrópole da época, a Cidade do Salvador, e do próspero Nordeste holandês, São Vicente era um porto de passagem, no caminho do Rio da Prata, onde Portugal fundou, em 1680, a Colônia do Sacramento. A Vila de São Paulo, ponto de partida de várias expedições, era selvagem, apesar de abrigar 400 soldados e da presença dos jesuítas, que foram expulsos pelos paulistas, em 1640 (veja comentário abaixo de Luis de Céspedes Xería, que saiu de lá amedrontado).
Na época, existiram expedições em várias partes da América Lusitana. As expedições da Bahia, por exemplo, não foram menos importantes que as de São Paulo. Esse ponto é bem observado por Luís Henrique Dias Tavares, em sua História da Bahia. Tavares também relata, que tanto na Bahia, quanto em São Paulo, essas expedições eram chefiadas por capitães, com autorização real para conquistar novas terras e a guerrear o gentio bárbaro.
Diferente das expedições baianas, as expedições paulistas buscavam principalmente índios para escravizar, mas essas não obedeciam as leis da Coroa. Os paulistas praticamente destruíram as 18 missões jesuíticas, em terras do atual Rio Grande do Sul, fundadas entre 1626 e 1634. Foram atos de covardia, pois os índios das missões eram proibidos de guerrear pelos jesuítas.
Em 1638, Luis de Céspedes Xería passou pela Vila de São Paulo, a caminho do Paraguay (na época, a Gobernación del Guayrá), onde assumiria o governo daquela governadoria. Era a época da União Ibérica. Xería elaborou um mapa da região, que se tornou um dos mais importantes documentos iconográficos de São Paulo (veja referência ao lado). Em sua carta ao rei, de oito de novembro daquele ano, após chegar na Ciudad Real del Guayrá, Xería faz os seguintes comentários sobre a Vila de São Paulo:
Suplico a V. Magestad mire con atención desde aquí lo que le voy diciendo y oyrá desta gente de San Pablo y su jurisdición las mayores maldades, trayciones y vellaquerías que le hazen ni an hecho vasallos suyos. También oyrá desta tierra donde e llegado por su gouernador las mayores lástimas de pobresa y deznudez, poco gouierno, poco amparo en las cosas de Dios y ninguna ayuda en el vno ni en el otro. En la uilla de San Pablo reciden quatrocientos soldados; tienen sus casas en ella, su asistencia dellos, mugeres y hijos es en los campos; vienen al pueblo los días de fiesta y eso armados con escopetas, rrodelas y fistolas. Públicamente consiéntenlo las justicias, porque no lo son más que en la aperencia y son como los demás: muertes, cuchilladas y otras ynsolencias, matándose y aguardándose en los caminos, todos los días suseden sin que aya sido castigado hombre ninguno hasta el día de oy, ni tal se saue; y para que V. Magestad remedie esto y castigue tan malos basallos, no solamente lo son en su patria, sino también en estas prouincias, que bienen a ellas muchas vezes ducientas y trecientas leguas y se lleban los yndios reducidos a V. Magestad y los que no lo están de aquestos pueblos, y vna vez destas llegaron a vno, no estando aý el padre que dotrinaua los yndios, y se los lleuaron todos con hijos y mugeres, y las ymágenes de la yglecia, y después la quemaron y a todas las casas. Lo que hazen de todas estas almas que lleban, christianos y no christianos, es vendellos por esclauos públicamente, y no fuera tanto si se quedaran en la tierra, pero embíanlos en los nauíos a vender por todo el Estado del Vracil y a Lisboa y otras partes, y aora actualmente estando yo allí y harto temeroso que no me matasen, porque sauían el zelo con que benía a estorbarles algunas cosas, estauan en campo nobecientos hombres de aquella villa y su jurisdición con tres mill yndios para venir haçia estas partes a saltear y rouar estas Reduciones, que ansí me lo dixeron ellos mesmos. V. Magestad, por quien es y por Dios nuestro señor, primeramente remedie esto y haga castigar estos traydores que av´n no lo son sólo en lo que e dicho, sino también en lo que hazen, y es que para salir en campo a hazer estas vellaquerías ellos mesmos se hazen capitanes, alférez y sargentos, y alsan vanderas y tocan caxas sin consentimiento de su gouernador, que digo mal, que lo saue y no lo remedia. [...] Para ello salí con toda priesa de aquesta mala tierra por ver si puedo remediar alguna cosa defendiendo estos pueblos de yndios de aquellos traydores ... (transcrição de Juan Antonio Frago Gracia, Universidad de Zaragoza, Espanha - Boletín de Filología, 2005).
Em 1640, os jesuítas foram expulsos da Vila de São Paulo, por pressão dos exploradores paulistas, que queriam escravizar e não educar os índios.
Em 1653, Fernão Dias Paes, tio do explorador de mesmo nome, negociou o retorno dos jesuítas para o Colégio de São Paulo.
No final do século, São Paulo já havia crescido bastante devido principalmente à exploração de ouro. Em 1699, o explorador britânico William Dampier, aportou na Bahia, a caminho da Austrália, e escreveu em seu livro A Voyage To New-Holland, &c. In the Year 1699 - Vol. III (página 82), o que ele ouviu sobre São Paulo:
"Of the other ports in this country none is of greater note than that of St. Paul's where they gather much gold; but the inhabitants are said to be a sort of banditti, or loose people that live under no government: but their gold brings them all sorts of commodities that they need, as clothes, arms, ammunition, etc. The town is said to be large and strong".
Dampier referia-se, na verdade, ao ouro descoberto em Minas Gerais nos últimos anos do século 17. As minas foram descobertas pelas expedições paulistas da Serra Acima, que buscavam índios para escravizar. Alguns autores acreditam que índios da região enfeitavam-se com o metal precioso e levaram os paulistas até as minas, em troca de liberdade (não concedida).
No final do século 17, a Vila de São Paulo já era a principal localidade da Capitania. Embora de difícil acesso, era um local de encontro para expedições ao sertão paulista, em busca de riquezas. Essa região era conhecida apenas pelos guias locais. O interior de São Paulo só foi mapeado oficialmente, em 1837, por Daniel Müller.
O território do atual Estado de São Paulo ganhou a sua primeira cidade apenas em 1711, quando a vila de São Paulo foi elevada a essa condição. A América Lusitana já possuía, entretanto, várias outras cidades, principalmente no Nordeste.
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Cananeia, em 1640, por Albernaz.
A Vila de São Paulo, em 1640, por Albernaz.
Embaixo, as vilas de Santos e São Vicente no mesmo mapa.
Edificação na Vila de São Paulo, em 1628, provavelmente, a Câmara Municipal. Fragmento (editado) do mappa del Río Ayembí, de Luis de Céspedes Xería (original no Archivo General de Indias, Sevilha, Espanha). Veja comentários de Airton José Cavenaghi.
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São Paulo no Século 17
Por Jonildo Bacelar